Estou preocupadíssimo com a situação do país. E estou indignado com muitas coisas. O protesto dos camionistas ( que me recuso a designar por greve) e as respectivas consequências nos mais variados planos da vida nacional, são de tal ordem que náo se compreende como é que o Governo se tem limitado às medidas que tem tomado e que são largamente insuficientes. Porque se chegou ao ponto de se poder falar de ruptura social. Ruptura porquê ? Porque mecanismos básicos da vida em sociedade estão postos em causa e impedem o normal funcionamento dessa mesma vida. São todos os cidadãos que , de uma ou outra forma, são atingidos pelo que se passa.
Outros sectores sociais passam pelas mesmas dificuldades que os transportadores. Mas não dispõem como estes da capacidade de provocar a paralisação nos mais variados campos da vida social. Estes descobriram que a têm. E usam-na. Como meio de pressão. Mas com que direito ? Sempre me irritou um pouco a maneira como, à tort et à travers, se fala de Estado de direito. Mas esta é uma boa altura para lembrar a noção. E para lembrar os mais elementares direitos dos cidadãos em geral. E para perguntar ao Governo o que tem feito nos últimos dias para assegurar "o regular funcionamento das instituições". Será que as instituições são só o aparelho do Estado ? E, mesmo este, não está posto em causa, pelo menos nas instituições a quem cumpre velar pela segurança das populações, que não se limita a não sermos assaltados na rua ? E, já que estamos nesta onda, o que nos diz o P.R. ?
Reconheço que há grandes dificuldades. A começar pela falta de interlocutores institucionalizados e que possam ser responsabilizados pelo eventual incumprimento dos acordos a que se chegar. Por outro lado, imagino, o Governo não quer dar uma imagem de autoritarismo. Mas é aceitável que se pactue com o impedimento de liberdades, como a de circulação (ou de trabalho, para os trabalhadores que não querem aderir à paralisação -- por muito desagradável que seja a imagem dos "fura-greves") ? A verdade é que o Governo não tem sabido fazer uma boa gestão da crise.
E as oposições -- por onde é que têm andado ? Estão à espera de quê ? Quando é que tomam posição ? Ou esfregam as mãos de contentes por o Governo se ver em apuros ?
Estou a escrever de noite e ainda nem sei quais foram os resultados do meeting da Batalha. Talvez as coisas se tenham, de alguma forma, resolvido. Talvez a espiral de conflitualidade tenha abrandado. Esperemos que sim.
Mas eu (que até tinha outras coisas para escrever) não fui capaz de ficar mais tempo calado sobre este assunto. Embora me não seja muito fácil pronunciar-me sobre ele, porque se configura de tal forma que é dificilmente encaixável nas categorias usuais das Ciências Políticas ou da Sociologia do Trabalho.
Agora que já desabafei, calo-me e fico, atentamente, à espera.
Tomei-lhe o gosto. Ontem parei -- tinham sido muitas noitadas para a minha idade -- mas hoje retomo. Manda a verdade dizer que encorajado pelos comentários. Sem eles teria parado e voltado aos posts mais sisudos. (Não é que estes sejam hilariantes -- para isso falta-me por completo o jeito ) Mas sempre são mais "soltos".
Há bocado estava a pensar que estes me fazem lembrar o que eu chamava as "aulas selvagens", em que punha de lado o programa e, dando soltas à imaginação, discorria em debate com os alunos, sobre os temas (havia um limite : eram temas da disciplina) que me vinham à cabeça a propósito de qualquer coisa que tivesse acontecido.
Acrescente-se que esses limites eram latos. A sociologia. misturada com a epistemologia mais a veia transdisciplinar, dão para quase tudo. Sobretudo quando uma pessoa não se importa de ser classificada de marginal , ou desviante, ou excêntrica...Eram aulas muito divertidas, para mim e creio que também para os alunos (pelo menos a julgar pelas conversas que tinha com alguns depois das aulas).
Chega de memórias e voltemos aos posts. Há uma coisa que me deixa espantado. É que ninguém agarrou o desafio que deixei bem expresso entre Ocidente versus Oriente, ou mais exactamente entre pensamento de uma e outra origem. Será que com esta chamada de atenção alguém se vai pronunciar sobre o assunto ? (Manda a verdade que se diga que uma das minhas "amigas" se referiu às filosofias de vida : provavelmentene era nisso que estava a pensar.)
Voltando à blogosfera. É muito curioso como em pouco tempo me sinto "aconchegado" por um pequeno círculo de "amigos" que nos entre-comentamos. E não devia dizer "amigos" mas sim "amigas" porque, curiosamente, sâo só mulheres, Não que o tenha feito de propósito. P. ex. estou-me a lembrar dum caso em que pelo perfil , que era nulo, eu nem sequer sabia se era homem ou mulher ao comentar o post que levou ao estabelecimemto do "laço". Noutro caso era um homem, cujo post comentei e que me respondeu. Continuo a "espreitar" o post dele, mas nenhum de nós se sentiu inclinado a "adicionar-se". É verdade que ultimamente deixei de percorrer posts do SAPO à balda a ver o que vem à rede. Mas lá que isto me faz pensar, faz. Talvez tenha que ver com os motivos que levavam, nos tempos áureos, algumas amigas minhas a chamarem-me "feminista honorário"...O que acharão disto as minhas "amigas" do blog ?
Passando à política : estou muito curioso em ver até onde vai o Manuel Alegre. E quanta rédea livre lhe deixa o partido. O meeting (por enquanto prefiro não lhe chamar outra coisa) do Tindade foi uma jogada pesada. Alegre, Roseta e Louçã (mais os restantes...) que futuro ? Segundo li, Saramago desvaloriza -- o que não é de espantar. E os que foram votantes de Alegre nas presidenciais, como estarão a reagir a estas movimentações ? Provavelmente, valerá a pena ver amanhã a entrevista de Judite de Sousa a seguir ao Telejornal.
Quanto ao PSD, só me dá vontade de rir. Nem foi preciso esperar : já cá estão as desavenças. De tão partido não há cola que lhe valha. Nem a da já avó.
Já chega. Vou ver um bocado de AXN para descontrair. Até amanhã-
CULTURA COMBINATÓRIA (2)
(Venho dar continuação ao post anterior com o mesmo título, que deixei incompleto por falta de tempo.)
Antes de mais, é importante salientar que o conceito (o par conceptual) em questão não nasceu de uma elucubração em gabinete fechado, mas sim da necessidade de reformular o plano de análise de um projecto de investigação-acção, à medida que a equipa se via confrontada com os resultados das primeiras entrevistas aprofundadas efectuadas com intuitos exploratórios.
( Este post já vai demasiadamente longo. Fica para um próximo acrescentar algo sobre os desenvolvimentos e aplicações. Até breve)
José-Carlos Ferreira de Almeida
CULTURA COMBINATÓRIA
Trata-se de propor um conceito – aliás uma díade conceptual – que, que eu saiba, não foi até aqui usada no meu campo, que é o das Ciências Sociais e Humanas.
Sobre a noção de “cultura” não tenho nada de novo a dizer. Utilizo-a no seu sentido corrente em antropo-sociologia. Remeto o leitor para a definição que dela dá Guy Rocher no seu muito conhecido livro de referência sobre sociologia geral. Quando muito poderei acrescentar que a equipa (que mais adiante mencionarei) no seio da qual vim a alvitrar a adopção desta noção – o que foi aceite após larga discussão sobre várias alternativas – se enquadrava conceptualmente na noção de “dinâmica cultural”, cara a Paul-Henri Chombart de Lauwe, mentor da A.R.C.I. (Association de Recherche Coopérative Internationale), instituição que patrocinava,à época, estudos em vários países sobre o tema genérico dos “novos laços sociais”.
Quanto à “combinatória”, a inspiração foi claramente matemática. Estava em causa a análise combinatória e, por arrastamento a teoria dos conjuntos (mas não define Guy Rocher a cultura como um conjunto ligado – ou seja, um sistema, o que nos levaria à teoria dos sistemas, mas não é esse aqui o meu propósito -- ?).
Voltemos à díade. Ela consiste em “cultura(s) combinatória(s) / combinatórias culturais”. Não se trata de um simples jogo lexical de substantivação/adjectivação. As duas noções estão unidas por um nexo de causalidade circular, já que representam as vertentes sincrónica e diacrónica de uma mesma realidade. Com efeito – embora isso seja mais evidente nuns casos do que noutros e era-o muito particularmente naquele que deu origem à proposta em jogo – qualquer cultura (sincronicamente) é combinatória no sentido de que é a resultante do processo (diacrónico) de uma combinatória cultural.
(Fico-me por aqui hoje e deixo para amanhã ou um dia próximo a explanação da génese e de exemplos de aplicações da “cultura combinatória”).
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