È necessário pensar cicularmente que a sociedade faz a linguagem que faz a sociedade, que o homem faz a linguagem que faz o homem, que o homem fala a linguagem que o fala.
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A neuro-linguística, a neuro-psicologia (...), a socio-linguística mostram-nos a profundidade, a radicalidade, a complexidade do laço entre a linguagem, o aparelho neuro-cerebral, o psiquismo humano, a cultura, a sociedade...
A linguagem depende das interacções entre indivíduos, as quais dependem da linguagem. Ela depende das mentes humanas, as quais dependem dela para emergir enquanto espíritos. É portanto necessariamente que a linguagem deve ser concebida ao mesmo tempo como autónoma e dependente.
(...)
(...) as palavras usuais são possémicas, isto é comportam na sua maioria uma pluralidade de sentidos diferentes que se encavalitam produzindo como franjas de interferência (metáfora que nos reenvia de novo ao holograma) ; segundo o contexto (da situação, do discurso, da frase), um dos seus sentidos exclui os outros e vem impor-se no enunciado ; uma vez mais, é o todo que contribui para dar sentido à parte, a qual contribui para dar sentido ao todo.
(...)
A linguagem está em nós e nós estamos na linguagem. Nós fazemos a linguagem que nos faz. Nós estamos, em e pela linguagem, abertos pelas palavras, fechados nas palavras, abertos sobre outrem (comunicação), fechados sobre o outro (mentira, erro), abertos sobre as ideias, encerrados nas ideias, abertos sobre o mundo,fechados ao mundo. Encontramos o paradoxo cognitivo maior : estamos fechados pelo que nos abre e abertos pelo que nos fecha.
(Edgar MORIN, La Méthode, 4. Les Idées.)
(Este post é a resposta a uma "amiga" que me perguntou como encontrar termos para designar compreensões novas.)
A questão em causa é : perante uma nova compreensão de um problema ou de uma situação, o que fazer para exprimi-la e transmiti-la de forma correcta.
O repertório lexical tem os seus limites próprios, nomeadamente no campo científico (em que não existe a liberdade poética). O que, diga-se, não quer dizer, bem pelo contrário, que não haja lugar para a imaginação. Esta é até bem necessária. Sem ela não haveria revoluções científicas nem sequer investigação digna desse nome (apenas meras aplicações).
Mas voltemos à questão lexical. Ela não é fundamental para a compreensão em si mesma : existe conhecimento pré-verbal (e, até, comunicação não verbal). Mas a linguagem é muito importante para a transmissão do conhecimento. E aí entram em jogo as articulações entre significantes e significados (deixemos, por agora, de lado os referentes). Essas articulações são mais complexas do que à primeira vista possa parecer. Para voltar ao exemplo da poesia : ela " brinca " permanentemente com elas. Coisa que o cientista não pode fazer. Isto é, pode (por exemplo o meu mestre Morin passa a vida a criar jogos lexicais), mas dentro dos limites que a comunidade científica define. :
Retomemos o problema que a minha amiga pôs . Pode ser reformulado da seguinte forma : o que ela pretende é encontrar um significante -- seja ele uma simples palavra, ou um sintagma mais complexo -- que corresponda ao significado (a compreensão nova) a que ela acedeu. Ora esta operação remete para duas questões que me têm acompanhado ao longo de toda a minha carreira de investigador : a da adequação e a da pertinência.
Ou seja, no caso vertente : a expressão que ela escolher deve ser adequada ao "objecto" em causa (i.e. deve denotá-lo/conotá-lo correctamente ) e pertinente, no sentido de corresponder às exigências comunicacionais da sua transmissão ou, por outras palavras, possuir valor heurístico suficiente -- mas isso levar-nos-ia para debates semânticos que seria despropositado estar a ter aqui.
Da mesma forma, não coloco questões de hermenêutica que se podem referir a propósito da adequação. Deixo só esta pista no ar. Como não me alongo sobre os problemas da validade interna (que dizem só respeito à consistência do discurso) ou da validade externa (relações entre o conhecimento e o real) ; estes últimos ficam parcialmente resolvidos se se tratar acertadamente a problemática da adequação.
Com tudo isto, acho que acabei por não responder às perguntas concretas que a amiga me fazia ! Irritado com o computador, acabei por fazer o gosto ao meu dedo conceptual... Mas ainda lhe deixo algumas achegas. Se quiser traduzir alguma palavra estrangeira faça-o. Ou então use mesmo a estrangeira, nomeadamente se for numa língua franca como é hoje o inglês. Se quiser usar um sintagma mais complicado, faça-o. Mas aí atenção : se possível, evite mais de duas palavras (p.e. um substantivo e um adjectivo) ou então utilize hifenização ; ou utilize prefixos ou sufixos.
Mas, por favor, não esqueça : adequação e pertinência !
E por aqui me fico.
(...) o conhecimento é, ao mesmo tempo, prometido em novos desenvolvimentos e condenado ao inacabamento.
(...) a tragédia do pensamento condenado a afrontar contradições sem nunca poder liquidá-las. Além disso, para mim, esse sentimento trágico anda a par com a busca de um meta-nível onde se possa «ultrapassar» a contradição sem a negar. Mas, de acordo com o teorema de Gödel (...), o meta-nível não é o da síntese acabada : (...) estamos sem dúvida lançados na aventura indefinida e infinita do conhecimento.
Edgar MORIN, O Problema Epistemológico da Complexidade.
A aparência da verdade absoluta não é senão o resultado dum conformismo absoluto.
Paul FEYERABEND, Against Method : Outline of an Anarchist Theory of Knowledge.
(...) um complexo de determinações socio-noo-culturais concentra-se para impor a evidência, a certeza, a prova da verdade daquilo que obedece ao imprinting e à norma.
Edgar MORIN, La Méthode, 4. Les Idées.
Os fenómenos cognitivos dependem de processos infra-cognitivos e exercem efeitos e influências meta-cognitivos.
Edgar MORIN
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