Tomei-lhe o gosto. Ontem parei -- tinham sido muitas noitadas para a minha idade -- mas hoje retomo. Manda a verdade dizer que encorajado pelos comentários. Sem eles teria parado e voltado aos posts mais sisudos. (Não é que estes sejam hilariantes -- para isso falta-me por completo o jeito ) Mas sempre são mais "soltos".
Há bocado estava a pensar que estes me fazem lembrar o que eu chamava as "aulas selvagens", em que punha de lado o programa e, dando soltas à imaginação, discorria em debate com os alunos, sobre os temas (havia um limite : eram temas da disciplina) que me vinham à cabeça a propósito de qualquer coisa que tivesse acontecido.
Acrescente-se que esses limites eram latos. A sociologia. misturada com a epistemologia mais a veia transdisciplinar, dão para quase tudo. Sobretudo quando uma pessoa não se importa de ser classificada de marginal , ou desviante, ou excêntrica...Eram aulas muito divertidas, para mim e creio que também para os alunos (pelo menos a julgar pelas conversas que tinha com alguns depois das aulas).
Chega de memórias e voltemos aos posts. Há uma coisa que me deixa espantado. É que ninguém agarrou o desafio que deixei bem expresso entre Ocidente versus Oriente, ou mais exactamente entre pensamento de uma e outra origem. Será que com esta chamada de atenção alguém se vai pronunciar sobre o assunto ? (Manda a verdade que se diga que uma das minhas "amigas" se referiu às filosofias de vida : provavelmentene era nisso que estava a pensar.)
Voltando à blogosfera. É muito curioso como em pouco tempo me sinto "aconchegado" por um pequeno círculo de "amigos" que nos entre-comentamos. E não devia dizer "amigos" mas sim "amigas" porque, curiosamente, sâo só mulheres, Não que o tenha feito de propósito. P. ex. estou-me a lembrar dum caso em que pelo perfil , que era nulo, eu nem sequer sabia se era homem ou mulher ao comentar o post que levou ao estabelecimemto do "laço". Noutro caso era um homem, cujo post comentei e que me respondeu. Continuo a "espreitar" o post dele, mas nenhum de nós se sentiu inclinado a "adicionar-se". É verdade que ultimamente deixei de percorrer posts do SAPO à balda a ver o que vem à rede. Mas lá que isto me faz pensar, faz. Talvez tenha que ver com os motivos que levavam, nos tempos áureos, algumas amigas minhas a chamarem-me "feminista honorário"...O que acharão disto as minhas "amigas" do blog ?
Passando à política : estou muito curioso em ver até onde vai o Manuel Alegre. E quanta rédea livre lhe deixa o partido. O meeting (por enquanto prefiro não lhe chamar outra coisa) do Tindade foi uma jogada pesada. Alegre, Roseta e Louçã (mais os restantes...) que futuro ? Segundo li, Saramago desvaloriza -- o que não é de espantar. E os que foram votantes de Alegre nas presidenciais, como estarão a reagir a estas movimentações ? Provavelmente, valerá a pena ver amanhã a entrevista de Judite de Sousa a seguir ao Telejornal.
Quanto ao PSD, só me dá vontade de rir. Nem foi preciso esperar : já cá estão as desavenças. De tão partido não há cola que lhe valha. Nem a da já avó.
Já chega. Vou ver um bocado de AXN para descontrair. Até amanhã-
Desta vez, embora seja de novo sobre a C.C., limito-me a citar :
«Trabalhar um conceito, é fazer variar a sua extensão e a sua compreensão, generalizá-lo pela incorporação de traços de excepção, exportá-lo para fora da sua região de origem, tomá-lo como modelo ou inversamente procurar um modelo para ele, em poucas palavras conferir-lhe progressivamente, por transformações regradas, a função de uma forma.»
Georges CANGUILHEM
È necessário pensar cicularmente que a sociedade faz a linguagem que faz a sociedade, que o homem faz a linguagem que faz o homem, que o homem fala a linguagem que o fala.
(---)
A neuro-linguística, a neuro-psicologia (...), a socio-linguística mostram-nos a profundidade, a radicalidade, a complexidade do laço entre a linguagem, o aparelho neuro-cerebral, o psiquismo humano, a cultura, a sociedade...
A linguagem depende das interacções entre indivíduos, as quais dependem da linguagem. Ela depende das mentes humanas, as quais dependem dela para emergir enquanto espíritos. É portanto necessariamente que a linguagem deve ser concebida ao mesmo tempo como autónoma e dependente.
(...)
(...) as palavras usuais são possémicas, isto é comportam na sua maioria uma pluralidade de sentidos diferentes que se encavalitam produzindo como franjas de interferência (metáfora que nos reenvia de novo ao holograma) ; segundo o contexto (da situação, do discurso, da frase), um dos seus sentidos exclui os outros e vem impor-se no enunciado ; uma vez mais, é o todo que contribui para dar sentido à parte, a qual contribui para dar sentido ao todo.
(...)
A linguagem está em nós e nós estamos na linguagem. Nós fazemos a linguagem que nos faz. Nós estamos, em e pela linguagem, abertos pelas palavras, fechados nas palavras, abertos sobre outrem (comunicação), fechados sobre o outro (mentira, erro), abertos sobre as ideias, encerrados nas ideias, abertos sobre o mundo,fechados ao mundo. Encontramos o paradoxo cognitivo maior : estamos fechados pelo que nos abre e abertos pelo que nos fecha.
(Edgar MORIN, La Méthode, 4. Les Idées.)
Resolvi publicar este post para chamar a atenção para a existência do Instituto Mind and Life. Foi fundado em 1988, para assegurar a organização regular de encontros entre o Dalai Lama e cientistas ocidentais. De resto, esses encontros já vinham tendo lugar, mas um pouco ao sabor das circunstâncias. Assim, alguns dos participantes resolveram, sempre com o acordo do Dalai Lama, criar o que começou por ser o projecto Mind and Life.
O primeiro encontro decorreu em Outubro de 1987, em Dharamsala, na Índia (cidade onde o Dalai Lama tem residência desde que se exilou). Os resultados foram de tal forma encorajadores que se partiu para a criação do Instituto.
Embora tenham sido muitas as colaborações havidas para essa criação, existem dois nomes que é indispensável pôr em realce. Um é o do americano R. Adam Engle. Ele foi o primeiro Presidente do Instituto e teve a seu cargo a complicada organização logística dos encontros. O outro é o do chileno Francisco J. Varela. Doutorado em Biologia por Harvard, especializado em neurobiologia e epistemologia, trabalhando em Paris (C.N.R.S.), coube-lhe a coordenação científica dos trabalhos. Muito conhecido nos meios científicos por causa das suas publicações e dispondo de muitos contactos em várias áreas do conhecimento, ele trabalhou afincadamente para que os encontros Mind and Life fossem um sucesso, bem demonstrado pelos livros a que deram origem. Infelizmente faleceu há pouco, precocemente.
O nome do Instituto foi escolhido cuidadosamente para designar bem a interface, o mais frutuosa possível, entre a ciência ocidental e a tradição búdica. Dada a sua natureza, não é de espantar que os primeiros encontros recoressem sobretudo a especialistas das neurociências (o "nosso" António Damásio participou num deles) e das chamadas ciências cognitivas. Pouco a pouco os temas foram mudando e, a partir de certa altura, além dos filósofos, dos psicólogos, dos psicanalistas, dos linguistas ou dos antropólogos, encontravam-se também especialistas em astrofísica, em cosmologia ou em física quântica. No fundo, nenhuma área é dispensável quando, como disse o Dalai Lama num dos encontros, «(...) nós não aderimos ao sentido literal das palavras de Buda quando elas são refutáveis por uma prova válida».
Aqui convirá apontar duas precisões semânticas : a primeira é búdica, a segunda é ocidental. A búdica tem a ver com a palavra , em sânscrito, dharma. O termo é altamente polissémico : tanto significa o ensinamento (o Dharma do Buda), como o conhecimento ou a sabedoria, como ainda a via, o caminho, para os alcançar. E poderíamos continuar...
A segunda remete para um problema relativo ao francês. Com efeito, eles não têm substantivo para o nosso mente (ou o inglês mind). O equivalente francês é esprit. Existe o adjectivo mental (que, por vezes, é substantivado), mas o que é corrente é usarem a palavra esprit. Assim não podem distinguir entre mente e espírito. O que, quando está em causa o budismo, é particularmente lastimável. Voltando a citar um Lama (que, entretanto, foi "promovido" a Rimpoché -- para quem sabe o que isto significa...) : « O budismo não é materialista nem espiritulista, é realista e experimental ».
Completo com : no budismo não há credo, nem dogma, nem Deus.
(...) o conhecimento é, ao mesmo tempo, prometido em novos desenvolvimentos e condenado ao inacabamento.
(...) a tragédia do pensamento condenado a afrontar contradições sem nunca poder liquidá-las. Além disso, para mim, esse sentimento trágico anda a par com a busca de um meta-nível onde se possa «ultrapassar» a contradição sem a negar. Mas, de acordo com o teorema de Gödel (...), o meta-nível não é o da síntese acabada : (...) estamos sem dúvida lançados na aventura indefinida e infinita do conhecimento.
Edgar MORIN, O Problema Epistemológico da Complexidade.
Fernando Gil não é muito pródigo, na sua vasta obra, em considerações sobre a postura transdisciplinar. Mas nos seus dois livros que neste momento estou a reler (ambos são colectâneas de textos das origens mais diversas : artigos para revistas e enciclopédias, capítulos de livros colectivos, comunicações, conferências, participações em debates, intervenções em seminários, prefácios) encontrei várias referências de que aqui deixo alguns extractos.
A fragmentação das disciplinas anda a par de poderosos movimentos em direcção à unidade -- pensemos nos extraordinários efeitos de unificação gerados pela biologia molecular, pelas teorias dos conjuntos e das categorias ou pela «grande teoria» da unificação das interacções físicas fundamentais.
(Em Modos da Evidência, 1998 )
(...) a elaboração desse conhecimento «sistemático», intrinsecamente transdisciplinar que doravante coexiste com o saber disciplinar.
(...)
(...) Delattre desejaria sobretudo (...) demarcar «um conjunto conceptual coerente e válido para grupos de disciplinas tão largos quanto possível».
É o que denominamos transdisciplinaridade (...). Tratar-se-á de conceitos que actuam em várias disciplinas ou constituem o seu sustentáculo.
(Em Mediações, 2001 )
(...) a harmonia que existe entre o dharma e o pensamento contemporâneo, a adequação profunda do buda-dharma com a ciência contemporânea. Não somente não há contradição entre a ciência tradicional do dharma -- este conhecimento do conhecimento -- e os novos paradigmas da ciência contemporânea, mas ainda há uma convergência e um encontro cada vez mais íntimos entre elas.
Lama Denis Teundroup
Este dharma do Buda tratando da nossa natureza interior, do nosso ser profundo, chama-se « ciência interior ». É o nome tradicional daquilo que no Ocidente é chamado « budismo ».
Kalou Rinpoché
"O mapa não é o território."
Alfred KORZYKBSKI
"A sabedoria consiste em compreender as nossas limitações."
Carl SAGAN
O concreto é o abstracto
tornado familiar pelo uso.
PAUL LANGEVIN
Os sistemas não estão na natureza,
eles estão no espírito dos homens.
CLAUDE BERNARD
O texto que se segue, e que uso como pretexto para um debate, tem tido uma vida atribulada. Escrito em Maio de 2000, começou por ser uma nota de rodapé, de cinco linhas. para comentar um termo que se me deparou, ao consultar, quase por acaso, um autor pouco conhecido, Roberto Crema, num livro que me veio parar às mãos com a indicação de nele procurar certas passagens. O termo era transmodernidade [Roberto CREMA (1995), Saúde e Plenitude; São Paulo,Summus : passim]. Coisa puxa coisa, ideia puxa ideia, e aquela nota de rodapé ao fim de três dias (ia-lhe mexendo ao mesmo tempo que avançava no artigo principal) tinha 25 linhas. Tinha ganhado vida própria, tinha-se tornado muito complexa (podiam corresponder-lhe 28 palavras-chave) e, assim, já não servia o seu propósito inicial. (Foi substituída, no seu artigo de origem, por uma pequena nota sem qualquer relevância.)
O que fazer dela? Fi-la circular por alguns amigos e deles recebi as reacções mais díspares.Passaram anos e a nota ficou na gaveta. Até que, recentemente, a reencontrei com agrado, porque nela tinha condensado (ultra-condensado, e por isso ela é de difícil leitura) muitas das minhas preocupações epistemológicas da época. Inpublicável tal como está, aproveito agora a (para mim muito recente) liberdade da "blogosfera" para a dar a conhecer a mais pessoas e para suscitar um debate (daí o título) sobre o conteúdo deste texto.
O TEXTO/PRETEXTO
O ponto de partida é o termo transmodernidade. Não é este o local para me situar na querela modernidade vs. pós-modernidade.Cinjo-me, aqui, a indicar que a noção de transmodernidade sustenta um nexo de circularidade acausal com a postura transdisciplinar.
(Tais procedimentos podem utilizar proficuamente as virtualidades heurísticas das explorações semânticas e hermenêuticas, incluindo os jogos lexicais , e constituem portas para novos discernimentos epistémicos .)
Esta posição parece-me consentânea com a tese que postulo desde 1964 de que o real é, primordialmente ,magmático ( o que, diga-se, leva, por efeito da re-colocação das problemáticas da complexidade / caos , a situações quase-aporéticas em matérias do foro da validade externa , e a repensar temas como os da verosimilhança ou da falsificabilidade , transcendendo as concepções correntes da epistemologia mainstream ).
E, por isso mesmo , me parece que os diferentes níveis / tipos da realidade ou as diferentes realidades , sem esquecer , como é óbvio , os planos do imaginário , do simbólico e do sagrado ( e a intelecção do uno e da totalidade ) relevam não só do enigmático como do paradoxal , e são incomensuravelmente inacessíveis , dadas as limitações antropológicas do campo da cognição ( ainda que expandida ), mesmo com o desejável recurso a ( e confronto com ) sabedorias acientíficas , características daquilo mesmo a que chamo "transdisciplinaridade alargada".
Estas são questões complexas , que aqui apenas foram afloradas e que requerem largos desenvolvimentos. É o que farei quando as circunstâncias o proporcionarem.
CODA
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