Tenho desleixado muito o Dharma, aqui. É a altura de o retomar.
Vou servir-me da parte de perguntas e respostas dum ensinamento dado, na Sorbonne, pelo Lama que actualmente é designado por Lama Denys Rimpoché. Assim, no que se segue, P designa uma pergunta e L anuncia a resposta.
A sessão de que extraio estes excertos teve por título "O Dharma do Buda, uma via de amor e de conhecimento".
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P : O budismo é uma filosofia ou uma religião ?
L : Isso depende das definições que damos aos termos filosofia e religiáo. O que entende por religião ?
P : A religião é geralmente fundada sobre um conjunto de crenças, de dogmas e de formas que mantêm uma relação com uma pessoa -- seja esta revelada ou imaginada -- enquanto que uma filosofia parte dum raciocínio, duma observação e daí deduz um comportamento, um caminho. Neste caso, não se lhe chama religião.
L : Segundo a sua definição, responderei sem ambiguidade que o budismo não é uma religião, é uma filosofia.
P : É exactamente o que eu pensava !
L : No entanto, o problema é um pouco mais complexo. A definição que dá da religião é, em minha opinião, uma definição teísta restrita. Se se entender religião no sentido etimológico de o que nos une, o budismo é uma via que nos liga à natureza pura da mente ou, numa formulação diferente, o que nos liga à realidade essencial. Se o entendermos assim, é uma religião : é uma questão de definição.
P : Qual é a definição da espiritualidade no budismo ?
L : O termo espiritualidade não é verdadeiramente uma expressão tradicional do dharma : não existe nem em sânscrito nem em tibetano. É de facto uma noção muito ocidental. Mas para responder ao espírito da sua pergunta, a atitude espiritual, na perspectiva budista, é a dum trabalho que se faz sobre si mesmo a partir das suas experiências e das situações com que nos defrontamos -- trabalho que permite eliminar todas as formas de condicionamentos, de ilusões e de sofrimentos do espírito egocentrado. A espiritulidade é a saída da confusão do ego.
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P.S. -- Desculpem o desconchavo da impressão. O computador hoje, mais ainda do que habitualmente, teimou em não me obedecer. Para não ficarmos todos a ver navios, nem eu perder mais umas horas com ajustamentos, vai assim mesmo. Desculpem...
Para os eventuais interessados, fica aqui o link do meu blog francês.
Até breve e boas navegações.
E um agradecimento muito especial às pessoas que me têm honrado com os seus comentários e os seus encorajamentos. A todos devo muito do meu empenhamento nestas andanças bloguistas. Continuarei atento, na linha da "busca" e dos valores que me têm norteado e dos quais não me afastarei.
Mantenho em aberto a comunidade que criei no ORKUT, e também lá espero pelos interessados nos debates em torno do conhecimento da realidade numa postura transdisciplinar.
Mas tenho de ser realista e não esperar aquilo que se não pode obter.
Bem hajam.
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P.S. -- Uma última nota : também abri conta, com o meu nome (ver perfil), no Sapo MESSENGER.
Se calhar, não deveria ter distraído o meu "público" com devaneios «P'ra variar». Porque o que eu agora espero são respostas ao meu post [ 66 ] (e os aparentados), mesmo que elas sejam um não. Disso depende o que faço à comunidade que criei no Orkut -- por exemplo extingui-la, se o número de participantes não justificar a sua existência.
O tipo de assuntos que cabem no âmbito de um grupo que se reclama deste tema é muito diversificado. Por isso mesmo, a partir da adopção da Carta da Arrábida, passei a usar a expressão "transdisciplinatidade alargada", para a distinguir das formas mais restritas da mesma, que continuam a ter o seu lugar na prática corrente de muitas abordagens (incluindo as minhas), mas que não devem fazer esquecer o carácter holístico desta "nova" concepção do saber -- melhor seria dizer : da sabedoria.
Porque é disso que se trata.
Cá fico à espera de mais reacções.
Adenda : por causa da reacção de um sobrinho meu, que estranhou nem saber que eu tinha um blog, fiz, por mails, alguma divulgação do mesmo. E já comecei a receber respostas encorajadoras...
Depois de navegar, nos últimos dias, pela Net, acabei por criar hoje uma "comunidade" no ORKUT do GOOGLE. Chamei-lhe "transdisciplinaridade" e destina-se a reunir pessoas interessadas em aprofundar o estudo e a divulgação deste tema.
Trata-se, agora, de encontrar essas mesmas pessoas. E o primeiro passo que dou nesse sentido é justamente a publicação deste post.
Para ser membro da comunidade não são requeridas qualificações académicas formais. Espera-se, sim, a adesão ao conteúdo da Carta da Arrábida (Carta Mumdial da Transdisciplinaridade), sem que seja necessário ser dela signatário.
Conhecê-la é simples. Correndo o risco de me repetir, indico que ela é muito fácil de encontrar na Net (e quem preferir pode recorrer ao link directo que encontra na lists de links do meu próprio blog).
Depois os passos são também simples :
-- Aceder ao GOOGLE ;
-- Abrir uma "conta do Google" (é muito fácil e grátis) ;
-- Procurar o ORKUT :
-- No Orkut procurar Comunidades ;
-- Aí, procurar "Transdisciplinaridade",onde vê o que lá se diz.
E pronto. Depois é com cada um. Se estiver interessado, adere. Se não estiver, não adere.
Pelo que me toca vou fazer alguns contactos (não muitos, não quero que possam acusar-me de fazer pressões ou de proselitismo). E ficarei à espera dos resultados deste post. Prefiro que sejam as pessoas a vir ter comigo.
Depois, em função do que acontecer, decidir-se-á que passos dar. Manter só contactos virtuais ? Promover reuniões pessoais ? Ficar pela troca de publicações ? Criar um blog colectivo ? Preparar a participações em encontros promovidos por outras entidades (eventualmente com a apresentação de comunicações) ? Formalizar mais ou menos a própria "comunidade" ? Etc., etc..
Como se vê, tudo está em aberto e não tenciono ser eu a autoritariamente decidir, por mim só, o caminho a seguir. Diria até que a minha iniciativa individual se extinguiu no acto de criação da comunidade. Daí em diante é com todos.
Mas para isso é necessário que existam esses "todos". É para isso que venho apelar para vós. Peço-vos que pensem se estão interresados em participar nesta aventura e,sobretudo, que a divulguem junto da vossa rede de relações através dos meios que tenham ao vosso dispor.
Cá fico à espera das vossas opiniões.
No meu post [44] tive a oportunidade de chamar a atenção para eventuais confusões entre mente e espírito, por efeito da existência, ou não, de palavras distintas para esses dois conceitos, com implicações semânticas evidentes.
Hoje, queria abordar,com um intuito semelhante, o termo consciência. Para esse efeito vou socorrer-me do livro de António Damásio, O Sentimento de Si, do qual me limito a extrair alguns excertos seleccionados. Assim, o resto deste post é uma citação.
A preocupação com aquilo a que hoje chamamos consciência é recente -- data, talvez, de há três séculos e meio -- e só vem para primeiro plano no fim do século XX.
(...). [na história da língua inglesa] a palavra conscience, que vem do latim con e scientia, e que sugere a recolha e agregação de conhecimentos, está em uso desde o século XIII. (Na língua inglesa existem dois termos para consciência : conscience, que corresponde ao português consciência moral, e consciousness, que corresponde a consciência.) No entanto, as palavras consciousness e conscious (consciente) só aparecem na primeira metade do século XVII, muito depois da morte de Shakespeare (...).
Em inglês e em alemão existem palavras diferentes para designar conscience e counscieousness. Em alemão, a palavra para «consciência» é Bewusstsein e a palavra para «consciência moral» é Gewissen. Contudo, nas línguas românicas, existe uma única palavra para referir quer conscience quer counsciousness. Quando traduzo a palavra unconscous para francês (inconscient) ou para português (inconsciente), posso estar a referir-me quer a uma pessoa que se encontra em estado de coma, quer a uma pessoa cujo comportamento é unsconscinable (moralmente inaceitável). (,,,) nas línguas românicas apenas o contexto pode revelar o significado que se pretende. A propósito deste assunto devo dizer que as questões podem complicar-se bastante, embora sejam sempre interessantes. Em certas línguas românicas, como o francês e o português, também nos podemos referir à consciência com uma palavra que designa a agregação do saber, em francês connaissance e em português conhecimento. É de notar que, uma vez mais, a palavra para consciência se refere a «factos conhecidos», presumivelmente o facto de que existe um si e de que existem conhecimentos que lhe são atribuídos. Qualquer que seja a palavra para consciência, nunca estamos longe da noção de conhecimento abrangente, testemunhando variações sobre o con (uma abrangência) e a scientia (factos, científicos ou não).
È necessário pensar cicularmente que a sociedade faz a linguagem que faz a sociedade, que o homem faz a linguagem que faz o homem, que o homem fala a linguagem que o fala.
(---)
A neuro-linguística, a neuro-psicologia (...), a socio-linguística mostram-nos a profundidade, a radicalidade, a complexidade do laço entre a linguagem, o aparelho neuro-cerebral, o psiquismo humano, a cultura, a sociedade...
A linguagem depende das interacções entre indivíduos, as quais dependem da linguagem. Ela depende das mentes humanas, as quais dependem dela para emergir enquanto espíritos. É portanto necessariamente que a linguagem deve ser concebida ao mesmo tempo como autónoma e dependente.
(...)
(...) as palavras usuais são possémicas, isto é comportam na sua maioria uma pluralidade de sentidos diferentes que se encavalitam produzindo como franjas de interferência (metáfora que nos reenvia de novo ao holograma) ; segundo o contexto (da situação, do discurso, da frase), um dos seus sentidos exclui os outros e vem impor-se no enunciado ; uma vez mais, é o todo que contribui para dar sentido à parte, a qual contribui para dar sentido ao todo.
(...)
A linguagem está em nós e nós estamos na linguagem. Nós fazemos a linguagem que nos faz. Nós estamos, em e pela linguagem, abertos pelas palavras, fechados nas palavras, abertos sobre outrem (comunicação), fechados sobre o outro (mentira, erro), abertos sobre as ideias, encerrados nas ideias, abertos sobre o mundo,fechados ao mundo. Encontramos o paradoxo cognitivo maior : estamos fechados pelo que nos abre e abertos pelo que nos fecha.
(Edgar MORIN, La Méthode, 4. Les Idées.)
Resolvi publicar este post para chamar a atenção para a existência do Instituto Mind and Life. Foi fundado em 1988, para assegurar a organização regular de encontros entre o Dalai Lama e cientistas ocidentais. De resto, esses encontros já vinham tendo lugar, mas um pouco ao sabor das circunstâncias. Assim, alguns dos participantes resolveram, sempre com o acordo do Dalai Lama, criar o que começou por ser o projecto Mind and Life.
O primeiro encontro decorreu em Outubro de 1987, em Dharamsala, na Índia (cidade onde o Dalai Lama tem residência desde que se exilou). Os resultados foram de tal forma encorajadores que se partiu para a criação do Instituto.
Embora tenham sido muitas as colaborações havidas para essa criação, existem dois nomes que é indispensável pôr em realce. Um é o do americano R. Adam Engle. Ele foi o primeiro Presidente do Instituto e teve a seu cargo a complicada organização logística dos encontros. O outro é o do chileno Francisco J. Varela. Doutorado em Biologia por Harvard, especializado em neurobiologia e epistemologia, trabalhando em Paris (C.N.R.S.), coube-lhe a coordenação científica dos trabalhos. Muito conhecido nos meios científicos por causa das suas publicações e dispondo de muitos contactos em várias áreas do conhecimento, ele trabalhou afincadamente para que os encontros Mind and Life fossem um sucesso, bem demonstrado pelos livros a que deram origem. Infelizmente faleceu há pouco, precocemente.
O nome do Instituto foi escolhido cuidadosamente para designar bem a interface, o mais frutuosa possível, entre a ciência ocidental e a tradição búdica. Dada a sua natureza, não é de espantar que os primeiros encontros recoressem sobretudo a especialistas das neurociências (o "nosso" António Damásio participou num deles) e das chamadas ciências cognitivas. Pouco a pouco os temas foram mudando e, a partir de certa altura, além dos filósofos, dos psicólogos, dos psicanalistas, dos linguistas ou dos antropólogos, encontravam-se também especialistas em astrofísica, em cosmologia ou em física quântica. No fundo, nenhuma área é dispensável quando, como disse o Dalai Lama num dos encontros, «(...) nós não aderimos ao sentido literal das palavras de Buda quando elas são refutáveis por uma prova válida».
Aqui convirá apontar duas precisões semânticas : a primeira é búdica, a segunda é ocidental. A búdica tem a ver com a palavra , em sânscrito, dharma. O termo é altamente polissémico : tanto significa o ensinamento (o Dharma do Buda), como o conhecimento ou a sabedoria, como ainda a via, o caminho, para os alcançar. E poderíamos continuar...
A segunda remete para um problema relativo ao francês. Com efeito, eles não têm substantivo para o nosso mente (ou o inglês mind). O equivalente francês é esprit. Existe o adjectivo mental (que, por vezes, é substantivado), mas o que é corrente é usarem a palavra esprit. Assim não podem distinguir entre mente e espírito. O que, quando está em causa o budismo, é particularmente lastimável. Voltando a citar um Lama (que, entretanto, foi "promovido" a Rimpoché -- para quem sabe o que isto significa...) : « O budismo não é materialista nem espiritulista, é realista e experimental ».
Completo com : no budismo não há credo, nem dogma, nem Deus.
(...) o conhecimento é, ao mesmo tempo, prometido em novos desenvolvimentos e condenado ao inacabamento.
(...) a tragédia do pensamento condenado a afrontar contradições sem nunca poder liquidá-las. Além disso, para mim, esse sentimento trágico anda a par com a busca de um meta-nível onde se possa «ultrapassar» a contradição sem a negar. Mas, de acordo com o teorema de Gödel (...), o meta-nível não é o da síntese acabada : (...) estamos sem dúvida lançados na aventura indefinida e infinita do conhecimento.
Edgar MORIN, O Problema Epistemológico da Complexidade.
(...) a harmonia que existe entre o dharma e o pensamento contemporâneo, a adequação profunda do buda-dharma com a ciência contemporânea. Não somente não há contradição entre a ciência tradicional do dharma -- este conhecimento do conhecimento -- e os novos paradigmas da ciência contemporânea, mas ainda há uma convergência e um encontro cada vez mais íntimos entre elas.
Lama Denis Teundroup
Este dharma do Buda tratando da nossa natureza interior, do nosso ser profundo, chama-se « ciência interior ». É o nome tradicional daquilo que no Ocidente é chamado « budismo ».
Kalou Rinpoché
O concreto é o abstracto
tornado familiar pelo uso.
PAUL LANGEVIN
Os sistemas não estão na natureza,
eles estão no espírito dos homens.
CLAUDE BERNARD
O texto que se segue, e que uso como pretexto para um debate, tem tido uma vida atribulada. Escrito em Maio de 2000, começou por ser uma nota de rodapé, de cinco linhas. para comentar um termo que se me deparou, ao consultar, quase por acaso, um autor pouco conhecido, Roberto Crema, num livro que me veio parar às mãos com a indicação de nele procurar certas passagens. O termo era transmodernidade [Roberto CREMA (1995), Saúde e Plenitude; São Paulo,Summus : passim]. Coisa puxa coisa, ideia puxa ideia, e aquela nota de rodapé ao fim de três dias (ia-lhe mexendo ao mesmo tempo que avançava no artigo principal) tinha 25 linhas. Tinha ganhado vida própria, tinha-se tornado muito complexa (podiam corresponder-lhe 28 palavras-chave) e, assim, já não servia o seu propósito inicial. (Foi substituída, no seu artigo de origem, por uma pequena nota sem qualquer relevância.)
O que fazer dela? Fi-la circular por alguns amigos e deles recebi as reacções mais díspares.Passaram anos e a nota ficou na gaveta. Até que, recentemente, a reencontrei com agrado, porque nela tinha condensado (ultra-condensado, e por isso ela é de difícil leitura) muitas das minhas preocupações epistemológicas da época. Inpublicável tal como está, aproveito agora a (para mim muito recente) liberdade da "blogosfera" para a dar a conhecer a mais pessoas e para suscitar um debate (daí o título) sobre o conteúdo deste texto.
O TEXTO/PRETEXTO
O ponto de partida é o termo transmodernidade. Não é este o local para me situar na querela modernidade vs. pós-modernidade.Cinjo-me, aqui, a indicar que a noção de transmodernidade sustenta um nexo de circularidade acausal com a postura transdisciplinar.
(Tais procedimentos podem utilizar proficuamente as virtualidades heurísticas das explorações semânticas e hermenêuticas, incluindo os jogos lexicais , e constituem portas para novos discernimentos epistémicos .)
Esta posição parece-me consentânea com a tese que postulo desde 1964 de que o real é, primordialmente ,magmático ( o que, diga-se, leva, por efeito da re-colocação das problemáticas da complexidade / caos , a situações quase-aporéticas em matérias do foro da validade externa , e a repensar temas como os da verosimilhança ou da falsificabilidade , transcendendo as concepções correntes da epistemologia mainstream ).
E, por isso mesmo , me parece que os diferentes níveis / tipos da realidade ou as diferentes realidades , sem esquecer , como é óbvio , os planos do imaginário , do simbólico e do sagrado ( e a intelecção do uno e da totalidade ) relevam não só do enigmático como do paradoxal , e são incomensuravelmente inacessíveis , dadas as limitações antropológicas do campo da cognição ( ainda que expandida ), mesmo com o desejável recurso a ( e confronto com ) sabedorias acientíficas , características daquilo mesmo a que chamo "transdisciplinaridade alargada".
Estas são questões complexas , que aqui apenas foram afloradas e que requerem largos desenvolvimentos. É o que farei quando as circunstâncias o proporcionarem.
CODA
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