Abro o meu blog e dou-me conta de que há uma semana que não escrevo aqui.
É verdade que foi uma semana muito cheia (quem quiser ter um ideia pode ir ver a minha última resposta a um comentário de uma "amiga"no post anterior a este) e, de resto, muito cheia de computador. Só que com mails e não posts. Computador que me deu muitas chatices. Nem me atrevo a dizer os nomes que lhe chamei...
Mas houve um outro motivo para não escrever. É que estava expectante, a ver que reacções tinha ao que aqui escrevi sobre a transdisciplinaridade e à minha criação de uma comunidade com esse nome no programa ORKUT. Ora as respostas, aqui como lá, foram várias, mas a maior parte afinadas pelo mesmo diapasão : muito interessante, mas agora não tenho tempo, vou pensar e depois digo alguma coisa, etc., etc..Portanto neste momento o grupo confirmado é mínimo (nem justifica chamar-lhe comunidade).
Decididamente escolho mal os sítios para as minhas iniciativas. Provavelmente farei o que já fiz quanto à "cultura combinatória" (desisti de falar mais dela aqui e, no caso vertente, vou escrever um longo artigo para uma revista da especialidade.) Mas perco, com isso, aquilo que pretendia e que era ter um espaço de discussão viva de ideias, dinâmico e participado.
Na questão da transdisciplinaridade isso custa-me particularmente porque o quadro conceptual presta-se especialmente ao tratamento muito abrangente dos mais variados assuntos, nos mais variados campos, como decorre da Carta da Arrábida (que nem sei se alguém terá tido a curiosidade de ir "espreitar"...).
Para já, já quebrei o hábito do post quase quotidiano. Assim como a consulta compulsiva dos posts alheios. Não se estranhe, pois, a minha relativa ausência da blogosfera nacional. Neste momento -- e salvo reviravolta inesperada da situação -- vou andar mais por outras bandas . (Ah, já me esquecia : criei um blog em França. Talvez por aí consiga o que não obtenho cá.)
Saudações blogueiras e até mais ver.
No meu post [44] tive a oportunidade de chamar a atenção para eventuais confusões entre mente e espírito, por efeito da existência, ou não, de palavras distintas para esses dois conceitos, com implicações semânticas evidentes.
Hoje, queria abordar,com um intuito semelhante, o termo consciência. Para esse efeito vou socorrer-me do livro de António Damásio, O Sentimento de Si, do qual me limito a extrair alguns excertos seleccionados. Assim, o resto deste post é uma citação.
A preocupação com aquilo a que hoje chamamos consciência é recente -- data, talvez, de há três séculos e meio -- e só vem para primeiro plano no fim do século XX.
(...). [na história da língua inglesa] a palavra conscience, que vem do latim con e scientia, e que sugere a recolha e agregação de conhecimentos, está em uso desde o século XIII. (Na língua inglesa existem dois termos para consciência : conscience, que corresponde ao português consciência moral, e consciousness, que corresponde a consciência.) No entanto, as palavras consciousness e conscious (consciente) só aparecem na primeira metade do século XVII, muito depois da morte de Shakespeare (...).
Em inglês e em alemão existem palavras diferentes para designar conscience e counscieousness. Em alemão, a palavra para «consciência» é Bewusstsein e a palavra para «consciência moral» é Gewissen. Contudo, nas línguas românicas, existe uma única palavra para referir quer conscience quer counsciousness. Quando traduzo a palavra unconscous para francês (inconscient) ou para português (inconsciente), posso estar a referir-me quer a uma pessoa que se encontra em estado de coma, quer a uma pessoa cujo comportamento é unsconscinable (moralmente inaceitável). (,,,) nas línguas românicas apenas o contexto pode revelar o significado que se pretende. A propósito deste assunto devo dizer que as questões podem complicar-se bastante, embora sejam sempre interessantes. Em certas línguas românicas, como o francês e o português, também nos podemos referir à consciência com uma palavra que designa a agregação do saber, em francês connaissance e em português conhecimento. É de notar que, uma vez mais, a palavra para consciência se refere a «factos conhecidos», presumivelmente o facto de que existe um si e de que existem conhecimentos que lhe são atribuídos. Qualquer que seja a palavra para consciência, nunca estamos longe da noção de conhecimento abrangente, testemunhando variações sobre o con (uma abrangência) e a scientia (factos, científicos ou não).
Desta vez, embora seja de novo sobre a C.C., limito-me a citar :
«Trabalhar um conceito, é fazer variar a sua extensão e a sua compreensão, generalizá-lo pela incorporação de traços de excepção, exportá-lo para fora da sua região de origem, tomá-lo como modelo ou inversamente procurar um modelo para ele, em poucas palavras conferir-lhe progressivamente, por transformações regradas, a função de uma forma.»
Georges CANGUILHEM
È necessário pensar cicularmente que a sociedade faz a linguagem que faz a sociedade, que o homem faz a linguagem que faz o homem, que o homem fala a linguagem que o fala.
(---)
A neuro-linguística, a neuro-psicologia (...), a socio-linguística mostram-nos a profundidade, a radicalidade, a complexidade do laço entre a linguagem, o aparelho neuro-cerebral, o psiquismo humano, a cultura, a sociedade...
A linguagem depende das interacções entre indivíduos, as quais dependem da linguagem. Ela depende das mentes humanas, as quais dependem dela para emergir enquanto espíritos. É portanto necessariamente que a linguagem deve ser concebida ao mesmo tempo como autónoma e dependente.
(...)
(...) as palavras usuais são possémicas, isto é comportam na sua maioria uma pluralidade de sentidos diferentes que se encavalitam produzindo como franjas de interferência (metáfora que nos reenvia de novo ao holograma) ; segundo o contexto (da situação, do discurso, da frase), um dos seus sentidos exclui os outros e vem impor-se no enunciado ; uma vez mais, é o todo que contribui para dar sentido à parte, a qual contribui para dar sentido ao todo.
(...)
A linguagem está em nós e nós estamos na linguagem. Nós fazemos a linguagem que nos faz. Nós estamos, em e pela linguagem, abertos pelas palavras, fechados nas palavras, abertos sobre outrem (comunicação), fechados sobre o outro (mentira, erro), abertos sobre as ideias, encerrados nas ideias, abertos sobre o mundo,fechados ao mundo. Encontramos o paradoxo cognitivo maior : estamos fechados pelo que nos abre e abertos pelo que nos fecha.
(Edgar MORIN, La Méthode, 4. Les Idées.)
(Este post é a resposta a uma "amiga" que me perguntou como encontrar termos para designar compreensões novas.)
A questão em causa é : perante uma nova compreensão de um problema ou de uma situação, o que fazer para exprimi-la e transmiti-la de forma correcta.
O repertório lexical tem os seus limites próprios, nomeadamente no campo científico (em que não existe a liberdade poética). O que, diga-se, não quer dizer, bem pelo contrário, que não haja lugar para a imaginação. Esta é até bem necessária. Sem ela não haveria revoluções científicas nem sequer investigação digna desse nome (apenas meras aplicações).
Mas voltemos à questão lexical. Ela não é fundamental para a compreensão em si mesma : existe conhecimento pré-verbal (e, até, comunicação não verbal). Mas a linguagem é muito importante para a transmissão do conhecimento. E aí entram em jogo as articulações entre significantes e significados (deixemos, por agora, de lado os referentes). Essas articulações são mais complexas do que à primeira vista possa parecer. Para voltar ao exemplo da poesia : ela " brinca " permanentemente com elas. Coisa que o cientista não pode fazer. Isto é, pode (por exemplo o meu mestre Morin passa a vida a criar jogos lexicais), mas dentro dos limites que a comunidade científica define. :
Retomemos o problema que a minha amiga pôs . Pode ser reformulado da seguinte forma : o que ela pretende é encontrar um significante -- seja ele uma simples palavra, ou um sintagma mais complexo -- que corresponda ao significado (a compreensão nova) a que ela acedeu. Ora esta operação remete para duas questões que me têm acompanhado ao longo de toda a minha carreira de investigador : a da adequação e a da pertinência.
Ou seja, no caso vertente : a expressão que ela escolher deve ser adequada ao "objecto" em causa (i.e. deve denotá-lo/conotá-lo correctamente ) e pertinente, no sentido de corresponder às exigências comunicacionais da sua transmissão ou, por outras palavras, possuir valor heurístico suficiente -- mas isso levar-nos-ia para debates semânticos que seria despropositado estar a ter aqui.
Da mesma forma, não coloco questões de hermenêutica que se podem referir a propósito da adequação. Deixo só esta pista no ar. Como não me alongo sobre os problemas da validade interna (que dizem só respeito à consistência do discurso) ou da validade externa (relações entre o conhecimento e o real) ; estes últimos ficam parcialmente resolvidos se se tratar acertadamente a problemática da adequação.
Com tudo isto, acho que acabei por não responder às perguntas concretas que a amiga me fazia ! Irritado com o computador, acabei por fazer o gosto ao meu dedo conceptual... Mas ainda lhe deixo algumas achegas. Se quiser traduzir alguma palavra estrangeira faça-o. Ou então use mesmo a estrangeira, nomeadamente se for numa língua franca como é hoje o inglês. Se quiser usar um sintagma mais complicado, faça-o. Mas aí atenção : se possível, evite mais de duas palavras (p.e. um substantivo e um adjectivo) ou então utilize hifenização ; ou utilize prefixos ou sufixos.
Mas, por favor, não esqueça : adequação e pertinência !
E por aqui me fico.
Hoje não cito. Volto a escrever. E retomo o tema, que foi o dos quase primeiro"posts", das «cultura(s) combinatória(s)/combinatórias culturais».
E porquê ? Em primeiro lugar ( perdoe-se me o egocentrismo ), porque ninguém os comentou, quando o que eu queria era provocar o debate de ideias. Em segundo lugar, porque continuo a pensar que aquelas noções são aplicáveis, com vantagens, para o entendimento de questões tão relevantes para a(s) nossa(s) sociedade(s) como, por exemplo, as da educação ou das migrações. Estas, de resto, tanto com e -- que já nos tocou muito ( e que continua a tocar, agora, de resto, com outros contornos a somar aos antigos ) -- como com i ( que é causa de grandes preocupações ). Tudo isto deixando de lado, para já, problemas como os das relações entre 1ª e 2ª gerações, que abordarei mais tarde.
Como se vê, não é despiciendo colocar as questões das culturas. Dir-me-ão : mas para quê usar novos termos em vez daqueles que já estão consagrados ? A minha resposta é : porque vale a pena re-conceptualizar a abordagem dos problemas quando isso ajuda à compreensão das suas configurações actuais ( e passadas ) à luz de instrumentos diferentes dos habitualmente utilizados.
Para um simples "post" este texto já vai longo ( e ainda não disse nada de substancial ). Fico-me, pois, por aqui, agora, prometendo continuar (quem tiver curiosidade pode, de resto, ir ver os meus "posts" do início do blogue ).
"Tudo o que digo deve ser entendido não como uma afirmação, mas como uma pergunta."
Niels BOHR
e "(...) todos os nossos conceitos são aproximações."
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