Domingo, 25 de Maio de 2008

[47] Damásio e a consciência

 

       No meu post [44] tive a oportunidade de chamar a atenção para eventuais confusões entre mente e espírito, por efeito da existência, ou não, de palavras distintas para esses dois conceitos, com implicações semânticas evidentes.

       Hoje, queria abordar,com um intuito semelhante, o termo consciência. Para esse efeito vou socorrer-me do livro de António Damásio, O Sentimento de Si, do qual me limito a extrair alguns excertos seleccionados. Assim, o resto deste post é uma citação.

 

       A preocupação com aquilo a que hoje chamamos consciência é recente -- data, talvez, de há três séculos e meio -- e só vem para primeiro plano no fim do século XX.

       (...). [na história da língua inglesa] a palavra conscience, que vem do latim con e scientia, e que sugere a recolha e agregação de conhecimentos, está em uso desde o século XIII. (Na língua inglesa existem dois termos para consciência : conscience, que corresponde ao português consciência moral, e consciousness, que corresponde a consciência.) No entanto, as palavras consciousness e conscious (consciente) só aparecem na primeira metade do século XVII, muito depois da morte de Shakespeare (...).

       Em inglês e em alemão existem palavras diferentes para designar conscience e counscieousness. Em alemão, a palavra para «consciência» é Bewusstsein e a palavra para «consciência moral» é Gewissen. Contudo, nas línguas românicas, existe uma única palavra para referir quer conscience quer counsciousness. Quando traduzo a palavra unconscous para francês (inconscient) ou para português (inconsciente), posso estar a referir-me quer a uma pessoa que se encontra em estado de coma, quer a uma pessoa cujo comportamento é unsconscinable (moralmente inaceitável). (,,,) nas línguas românicas apenas o contexto pode revelar o significado que se pretende. A propósito deste assunto devo dizer que as questões podem complicar-se bastante, embora sejam sempre interessantes. Em certas línguas românicas, como o francês e o português, também nos podemos referir à consciência com uma palavra que designa a agregação do saber, em francês connaissance e em português conhecimento. É de notar que, uma vez mais, a palavra para consciência se refere a «factos conhecidos», presumivelmente o facto de que existe um si e de que existem conhecimentos que lhe são atribuídos. Qualquer que seja a palavra para consciência, nunca estamos longe da noção de conhecimento abrangente, testemunhando variações sobre o con (uma abrangência) e a scientia (factos, científicos ou não).

 

 

publicado por Transdisciplinar às 06:16
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Quarta-feira, 21 de Maio de 2008

[44] Ainda sobre o Dharma (5)

 

    Resolvi publicar este post para chamar a atenção para a existência do Instituto Mind and Life. Foi fundado em 1988, para assegurar a organização regular de encontros entre o Dalai Lama e cientistas ocidentais. De resto, esses encontros já vinham tendo lugar, mas um pouco ao sabor das circunstâncias. Assim, alguns dos participantes resolveram, sempre com o acordo do Dalai Lama, criar o que começou por ser o projecto Mind and Life.

       O primeiro encontro decorreu em Outubro de 1987, em Dharamsala, na Índia (cidade onde o Dalai Lama tem residência desde que se exilou). Os resultados foram de tal forma encorajadores que se partiu para a criação do Instituto.

 

 

 

        Embora tenham sido muitas as colaborações havidas para essa criação, existem dois nomes que é indispensável pôr em realce. Um é o do americano R. Adam Engle. Ele foi o primeiro Presidente do Instituto e teve a seu cargo a complicada organização logística dos encontros. O outro é o do chileno Francisco J. Varela. Doutorado em Biologia por Harvard, especializado em neurobiologia e epistemologia, trabalhando em Paris (C.N.R.S.), coube-lhe a coordenação científica dos trabalhos. Muito conhecido nos meios científicos por causa das suas publicações e dispondo de muitos contactos em várias áreas do conhecimento, ele trabalhou afincadamente para que os encontros Mind and Life fossem um sucesso, bem demonstrado pelos livros a que deram origem. Infelizmente faleceu há pouco, precocemente.

       O nome do Instituto foi escolhido cuidadosamente para designar bem a interface, o mais frutuosa possível, entre a ciência ocidental e a tradição búdica. Dada a sua natureza, não é de espantar que os primeiros encontros recoressem sobretudo a especialistas das neurociências (o "nosso" António Damásio participou num deles) e das chamadas ciências cognitivas.  Pouco a pouco os temas foram mudando e, a partir de certa altura, além dos filósofos, dos psicólogos, dos psicanalistas, dos linguistas ou dos antropólogos, encontravam-se também especialistas em astrofísica, em cosmologia ou em física quântica. No fundo, nenhuma área é dispensável quando, como disse o Dalai Lama num dos encontros, «(...) nós não aderimos ao sentido literal das palavras de Buda quando elas são refutáveis por uma prova válida».

       Aqui convirá apontar duas precisões semânticas : a primeira é búdica, a segunda é ocidental. A búdica tem a ver com a palavra , em sânscrito, dharma. O termo é altamente polissémico : tanto significa o ensinamento (o Dharma do Buda), como o conhecimento ou a sabedoria, como ainda a via, o caminho, para os alcançar. E poderíamos continuar...

       A segunda remete para um problema relativo ao francês. Com efeito, eles não têm substantivo para o nosso mente (ou o inglês mind). O equivalente francês é esprit. Existe o adjectivo mental (que, por vezes, é substantivado), mas o que é corrente é usarem a palavra esprit. Assim não podem distinguir entre mente e espírito. O que, quando está em causa o budismo, é particularmente lastimável. Voltando a citar um Lama (que, entretanto, foi "promovido" a Rimpoché -- para quem sabe o que isto significa...) : « O budismo não é materialista nem espiritulista, é realista e experimental ».

       Completo com : no budismo não há credo, nem dogma, nem Deus.

 

 

 

publicado por Transdisciplinar às 01:39
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Segunda-feira, 12 de Maio de 2008

[40] Ainda a propósito da linguagem

(Continuando a citar)

 

(...) vários matemáticos e físicos descrevem as suas cogitações como sendo dominadas por imagens. (...) Benoit Mandelbrot, cujo domínio científico é a geometria fractal, diz-me que pensa sempre por imagens (...). Quanto a Albert Einstein, ele não tinha qualquer dúvida sobre o processo :

 

     « As palavras ou a linguagem, na forma como são escritas ou faladas, não parecem desempenhar quarquer papel nos meus mecanismos de pensamento. As entidades físicas que parecem servir de elementos no meu pensamento são determinados sinais e imagens mais ou menos definidas que podem ser "voluntariamente" reproduzidos e combinados. Existe, com certeza, uma certa ligação entre esses elementos e os conceitos lógicos relevantes, (...)

      (...) As palavras convencionais, ou outros sinais. têm de ser laboriosamente procurados apenas numa fase secundária, quando o jogo associativo que foi mencionado se encontra suficientemente estabelecido e pode ser reproduzido pela vontade. »

 

       Assim, o que interesa salientar é que as imagens são provavelmente o principal conteúdo dos nossos pensamentos, independentemente da modalidade sensorial em que são gerados e independentemente de serem sobre uma coisa ou sobre um processo que envolve coisas ; ou sobre palavras ou outros símbolos, numa dada linguagem (...).

 

(António DAMÁSIO, O Erro de Descartes.) 

 

publicado por Transdisciplinar às 19:46
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